Psicanalistas que falam é a manifestação de um projeto iniciado em 1986: usar a câmera para realizar uma escuta que inclui ainda a expressão corporal, captar palavras incluindo a voz e a entonação.
Registramos o testemunho pessoal de protagonistas do movimento psicanalítico, que foram convidados a falar em associação livre, sem perguntas ou intervenções de comentários. Um dispositivo criado para favorecer a expressão do inconsciente, documentar a história da psicanálise e difundir suas ideias na dadosfera que habitamos agora.
É do ofício do psicanalista intervir nos processos de produção de subjetividade, no sujeito e no laço social. Se a psicanálise é política, o cinema também é. Descobri, na articulação entre esses dois campos, uma forma de ativismo político, psicanalítico e cinematográfico criativo e potente. Foi assim que me arrisquei a gravar Psycuba (vhs), em 1986, quando as relações diplomáticas entre Brasil e Cuba estavam rompidas e a internet não existia para a grande maioria das pessoas. A oportunidade imperdível foi o Primeiro Encontro de Psicologia Marxista e Psicanálise, em Havana. Histórico, o evento marcava a volta da dimensão inconsciente da subjetividade ao debate público em um país socialista, depois de ter sido lamentavelmente excluída do processo revolucionário soviético, por ser entendida como uma ciência individualista burguesa.
Na volta ao Brasil, durante a edição do material, com a inclusão no processo das amigas psicanalistas Cida Aidar, Lúcia Lima e Marta Azzolini, criamos o Núcleo de Psicanálise, Cinema e Vídeo, que se propunha a trabalhar no complexo regime de realização coletiva. Foi assim que o Núcleo dirigiu, em 1988, com o cineasta Nilson Villas Boas, o curta-metragem ficcional A mulher do atirador de facas (35mm, 10 minutos). O filme teve repercussão, circulou por festivais e ganhou vários prêmios.
Em seguida, em associação com o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, fizemos o documentário Traduzir: Jean Laplanche & Haroldo de Campos (vhs) em 1993. Por sua originalidade e interesse científico, o vídeo foi inserido no site oficial do Instituto Jean Laplanche, na França, pelas mãos de seu presidente, Christophe Dejours.
Pelas mesmas razões, a Percurso, revista paulista de psicanálise com circulação nacional, nos propôs a publicação do debate caloroso que se estabeleceu entre dois grandes tradutores, em áreas diferentes. O texto, traduzido do francês ao português, foi publicado na íntegra com um link para o vídeo no número 56 da revista, de 2016.
Seguiu-se Nós outros e a Psicanálise (vhs, 28 minutos), realizado em associação com o psicanalista Moisés Rodrigues da Silva, na Bahia, durante o lançamento da biografia de Freud escrita pelo argentino Emílio Rodrigué. Além da entrevista exclusiva com o autor, aproveitamos a presença de psicanalistas de diversas partes do país, para convidá-los a reconstituir, em reuniões com seus companheiros, as experiências desenvolvidas em seus lugares de origem. O documentário foi editado com Eduardo Abramovay e lançado em 2005, encerrando as atividades do Núcleo.
Após 11 anos de latência, em 2016, com Lúcia Arroyo Lima, amiga e parceira insubstituível, sentimos a necessidade de novas ações e idealizamos um novo projeto. Na grave crise da democracia brasileira e contexto político inquietante, nos vimos desafiadas a reagir de alguma maneira – e, novamente, a psicanálise e o audiovisual pareceram o meio.
Concentrando o foco, criamos um banco de imagens e acervo audiovisual, com testemunhos pessoais sobre a trajetória ética, crítica e libertária de psicanalistas contemporâneos. Oferecido gratuitamente nas plataformas da Internet, é um tipo singular de registro, que ainda faz falta na documentação da história do movimento psicanalítico.
Assim, veio à luz a webserie PSICANALISTAS QUE FALAM. Seus episódios encarnam, hoje, o desejo que a antecede e ultrapassa: a documentação histórica e a democratização do acesso à Psicanálise.